O governo Tarcísio de Freitas afirmou ao Supremo Tribunal Federal (STF) ser impossível atender de forma integral a ordem do presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, para uso obrigatório das câmeras corporais pela Polícia Militar de São Paulo. Na petição protocolada nesta quarta-feira (18), o Estado disse não ter condições materiais para cumprir a determinação.
Na semana passada, Barroso estabeleceu que o uso do equipamento é obrigatório, além de exigir a gravação ininterrupta, durante todo o turno policial – o que conflita com o novo modelo contratado pela gestão Tarcísio, que permite o acionamento remoto ou por decisão do próprio agente. A manifestação dá andamento a uma ação em curso, de autoria da Defensoria Pública do Estado, contra a mudança no modelo do equipamento. A decisão de Barroso foi publicada dias após a revelação de casos de abuso policial ocorridos na capital paulista e no interior.
Na resposta de cinco páginas enviada ao STF, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) afirma que, da forma como está redigida a decisão, a Secretaria de Segurança Pública do Estado é incapaz de atendê-la. Barroso determinou o "uso obrigatório de câmeras por policiais militares envolvidos em operações policiais".
O governo paulista alega que o termo "operações policiais" é muito vago e engloba ações cotidianas da PM, em todo o Estado. "Dessa forma, caso interpretada a decisão com a amplitude de tornar obrigatório o uso de câmeras em todas as operações policiais, haverá clara impossibilidade material e operacional de cumprimento", diz o texto assinado pela procuradora-geral do Estado, Inês Maria dos Santos Coimbra.
Na interpretação feita pelo governo, Barroso referiu-se a ações rotineiras de policiamento. Segundo a PGE, entre janeiro e novembro deste ano houve 484 mil operações, universo que não pode ser coberto pelas 10.125 câmeras disponíveis atualmente.
Na decisão, Barroso diz que o uso é obrigatório, mas acrescenta que se faça uma definição de prioridade da utilização dos equipamentos "a partir de uma análise de risco de letalidade policial".
A PGE, no entanto, pede que Barroso redefina o alcance de sua decisão para que as câmeras sejam adotadas somente nas operações "de grande envergadura". O Estado justifica que a portaria da PM que trata do uso das câmeras, publicada em junho deste ano e de conhecimento do STF, já prevê a gravação das ocorrências somente nas ações maiores. A petição da PGE não aborda o modelo da câmera nem o tipo de gravação.
A SSP foi questionada, mas não respondeu o que diferencia uma operação de "grande envergadura" das demais. Em nota, a secretaria apenas reitera que o uso do equipamento em todas as operações inviabilizará a "rápida ação policial em operações emergenciais" e mesmo nas ações programadas, já que o número de câmeras é inferior ao efetivo policial.
Ao STF, a PGE negou que tenha diminuído o número de equipamentos em atividade. Segundo o governo, estão em operação 10.125 câmeras para uso em todo o Estado. O efetivo total da Polícia Militar é de cerca de 80 mil agentes. No início do mês, o governo disse que em breve o número total de equipamentos chegará a 12 mil.
De acordo com a gestão, o número de equipamentos disponíveis contempla 52% das unidades policiais e, diariamente, apenas metade é utilizada – enquanto a outra metade é recarregada e o material gravado é processado. A Secretaria de Segurança Pública disponibiliza um arquivo público com dados sobre onde as câmeras estão disponíveis.
A implantação desse tipo de equipamento em São Paulo começou na gestão João Doria, em 2020. Ao assumir, em 2023, Tarcísio manteve o programa, mas trocou o modelo das câmeras para aquelas com função de "liga e desliga". A mudança preocupou a Defensoria Pública e entidades civis, que apontou risco de enfraquecer o programa, adotado para evitar o uso abusivo de força policial e garantir também a segurança do agente em operações de risco.
A demanda pelo uso contínuo das câmeras ganhou força neste ano após as Operações Verão e Escudo realizadas na Baixada Santista, entre 2023 e 2024, em que foram registradas 84 mortes provocadas por policiais. Na ocasião, familiares das vítimas e moradores denunciaram práticas de tortura, abuso de força e mortes de inocentes. O governo prometeu investigar, mas acrescentou que as ações eram necessárias para combater o tráfico de drogas e o crime organizado na região.
O assunto voltou à tona no início de dezembro com a divulgação de imagens, por exemplo, de um policial jogando um homem de uma ponte na capital paulista. As imagens das abordagens geraram uma crise na segurança no Estado e fizeram com que Tarcísio de Freitas (Republicanos) admitisse erros da conduta da PM, recuasse sobre as críticas às câmeras corporais e assumisse a articulação para conter a crise na área. O governador até o momento vem descartando trocar o comando da Secretaria de Segurança, sob a gestão do bolsonarista Guilherme Derrite.