O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), intimou o governo do Estado de São Paulo e a prefeitura da capital a informarem se houve compartilhamento com o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) de dados de pacientes que realizaram aborto legal no Centro de Assistência Integral à Saúde da Mulher, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O envio das explicações à Corte deve ser feito em até cinco dias.
Reportagem da “Folha de S.Paulo”, publicada na semana passada, revelou que o Cremesp teria pedido acesso aos prontuários de todas as pacientes que fizeram procedimento de aborto legal no hospital da Unicamp nos últimos 12 meses. Em nota ao jornal, o órgão disse que foi “uma ação do departamento de fiscalização” para verificar se o procedimento está sendo realizado “dentro dos ditames éticos da prática médica já estabelecidos”.
No despacho, Moraes destacou a proibição do envio desse tipo de informação ao Cremesp e o respeito ao sigilo médico-paciente. “Caso os dados não tenham sido compartilhados, ficam os entes cientificados, desde logo, sobre a proibição de fornecerem dados pessoais constantes de prontuários médicos de pacientes que realizaram aborto legal”, registra o documento.
A atual legislação brasileira permite a interrupção da gestação quando há risco para a vida da mulher, em casos de anencefalia do feto e quando a gravidez é decorrente de estupro.
A prefeitura paulistana está sob investigação desde maio pela Polícia Civil por suposto acesso a dados sigilosos de pacientes que fizeram aborto legal no Hospital Vila Nova Cachoeirinha. A unidade de saúde, que era referência para a realização desse tipo de procedimento, deixou de oferecer o serviço após determinação da gestão municipal sob justificativa de atender a demanda por cirurgias de endometriose.
O Secretário de Saúde da prefeitura, Luiz Carlos Zamarco, admitiu na época o acesso às informações sensíveis das pacientes com a mesma justificativa de fiscalização do procedimento, hoje trazida pelo Cremesp. "Existe aqui na secretaria uma equipe que avalia não só prontuários do Cachoerinha, mas de todos os hospitais, para saber os procedimentos que estão ocorrendo e se estão feitos dentro da lei. Então, a equipe técnica, junto com o Cremesp, tem autorização de verificar prontuários onde existe suspeita de irregularidade", disse.
As mudanças no acesso ao procedimento na capital paulista ocorreram num momento em que outras iniciativas, vindas da classe médica e de parte do Legislativo, tentaram restringir a realização do aborto no país.
No primeiro semestre, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou resolução para proibir o aborto legal após a 22ª semana de gestação, incluindo nas circunstâncias atualmente permitidas por lei. A resolução foi derrubada por Alexandre de Moraes. O ministro também determinou a prestação de esclarecimentos pela Secretaria de Saúde de São Paulo sobre o funcionamento dos serviços de aborto legal dos hospitais municipais.
Em paralelo, o plenário da Câmara aprovou, em junho, o regime de urgência de um projeto de lei que igualava a pena para quem praticasse o aborto após as 22 semanas de gestação ao crime de homicídio. Houve forte reação pública contra a proposta, que acabou engavetada pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).
Nas últimas semanas, integrantes da bancada religiosa da Câmara voltaram ao tema. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou, na semana passada, Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que, na prática, que proibiria de forma integral a realização de aborto no Brasil. A proposta sugere mudar a redação do artigo 5° da Constituição Federal, referente aos direitos fundamentais, para determinar a inviolabilidade do direito à vida “desde a concepção”.
*Estagiária sob supervisão de Fernanda Godoy