Dias após a apresentação, o pacote fiscal do governo continua com entraves para obter votos suficientes na Câmara dos Deputados e nem começou a ter o conteúdo debatido pelo Congresso. Os partidos decidiram votar, na noite de quarta-feira, os requerimentos de urgência aos dois projetos de lei enviados com medidas de economia de gastos, mas isso ainda não tinha ocorrido até o fechamento desta edição — e havia dúvidas sobre se teria votos suficientes.
Lira: 'Hoje, o governo não tem voto sequer para aprovar a urgência' aos projetos fiscais
Pela manhã, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que o governo não tinha votos nem mesmo para aprovar os requerimentos de urgência aos projetos por causa da insatisfação com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre as emendas parlamentares ao Orçamento, mas que tentaria um acordo para votá-los.
Ele destacou que o Congresso aprovou um projeto e a lei foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para regulamentar as emendas com “transparência e rastreabilidade”, e “quem fizer errado na ponta tem todos os órgãos de controle para tomar conta”, mas que o Supremo estabeleceu regras diferentes daquelas combinadas entre Legislativo e Executivo.
“E veio logo em seguida uma outra decisão [do STF] remodelando tudo o que foi votado, causa muita, muita intranquilidade legislativa”, disse, ao participar de evento do site “Jota”. “Hoje o governo não tem voto nem sequer para aprovar as urgências dos projetos de lei”, comentou, pela manhã. À noite, Lira reuniu os líderes dos partidos e fez um apelo para que as urgências fossem aprovadas, com o compromisso de que os projetos só serão votados se houver acordo.
O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), liberou a execução das emendas parlamentares após quatro meses paralisada para que o Congresso estabelecesse novas regras de transparência. Mas impôs novas regras: mudou o cálculo do valor das emendas, para reduzi-lo com o tempo; exigiu um plano de trabalho para as “emendas pix”; e determinou que seja divulgado, de forma individualizada, o deputado e senador que apadrinhar as emendas de bancada e de comissão, que são coletivas.
O Congresso cobra que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) entre em campo e convença Dino, que foi seu ministro da Justiça, a recuar da decisão. A Advocacia-Geral da União (AGU) entrou com pedido para que o Supremo reconsidere esses três pontos, aprovados pela Corte por unanimidade, e os deputados dizem que o pacote fiscal só andará se isso ocorrer.
Na quarta-feira, Lira informou também que enviará a proposta de emenda constitucional (PEC) do ajuste fiscal — que promove medidas como o direcionamento de verbas do Fundo de Valorização da Educação Básica (Fundeb) e mudanças nos critérios para receber o abono salarial — direto para o plenário.
Inicialmente, ele tinha encaminhado a PEC para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), num aceno à oposição. O governo tentou um acordo para aprovar no mesmo dia, mas não teve sucesso porque o Psol, da base aliada, disse que pediria vista e que é contra a proposta. “Tentei um acordo para pacificar a comissão. Não foi possível. Paciência, o país precisa aprovar essa PEC até o dia 18 ou 20”, afirmou o líder do governo na Câmara, o deputado José Guimarães (PT-CE). Mesmo se esse prazo for cumprido, contudo, não haveria tempo para que fosse votada também no Senado este ano.
Outro problema para o governo é que, nos poucos pontos que já foram debatidos, há defecções na base aliada. O MDB votará contra a mudança na regra de cálculo do Fundo Constitucional do Distrito Federal, afirmou o presidente nacional do partido, deputado Baleia Rossi (SP). A medida traria economia entre R$ 12 bilhões e R$ 16 bilhões até 2030 ao congelar o valor das verbas, que seriam atualizadas apenas pela inflação. A decisão do MDB ocorreu a pedido do governador Ibaneis Rocha (MDB) e da bancada do partido, com um deputado federal e seis distritais. Na Câmara, o partido tem 44 deputados federais. Já no Senado, está entre as maiores bancadas, com 11 senadores. “Vamos trabalhar pela supressão”, disse o Baleia. Ibaneis também se encontrou com Lira para pedir a rejeição.
O presidente da Câmara também disse na quarta-feira que discordou do anúncio das mudanças no imposto de renda junto com o pacote fiscal e que isso também provocou divergências dentro do governo, mas que o assunto terá que ser tratado ao longo de 2025. “Queria deixar claro, o governo fez o papel dele pensando no encaminhamento de um compromisso de campanha. O momento, a meu ver, foi inadequado, mas foi uma decisão política do governo, teve divisão dentro do governo. É um assunto que vai ter muito diálogo, muito debate. Não queria arriscar um prognóstico, mas com certeza teremos que fazer e ela terá que ser neutra”, afirmou.