A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de contenção de gastos inclui trecho para tentar vedar supersalários do funcionalismo público, segundo texto obtido pelo Valor. O texto veda abatimentos não previstos em lei para critério de renda do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e também prevê que até 20% do valor da União no Fundeb (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) poderá ir para escola em tempo integral. Estipula ainda, conforme previsto, limitação do abono salarial.
Os últimos detalhes da medida foram fechados na segunda-feira (2) em reunião entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ministros Rui Costa (Casa Civil) e Fernando Haddad (Fazenda), além de líderes no Congresso. O texto foi encaminhado à noite ao Legislativo, segundo mensagem publicada na edição extra do "Diário Oficial da União" (DOU).
A vedação aos supersalários do funcionalismo público estava prevista, inicialmente, para um projeto de lei, mas foi trazido para o texto constitucional. A proposta muda o parágrafo 11 do artigo 37 da Constituição Federal para dizer que somente poderá ser excetuado do teto do funcionalismo público "as parcelas de caráter indenizatório expressamente previstas em lei complementar".
O texto atual da Constituição diz que não entram no teto constitucional parcelas "de caráter indenizatório previstas em lei" - o que abre brecha para "penduricalhos" sejam disciplinados por meio de uma lei ordinária, que tem tramitação mais simples.
Outra novidade é que a PEC deixa explícita que a regra vale para todos os Poderes, algo que não está na Constituição atualmente, o que abre brechas para pagamentos fora do teto.
Em outros trechos, o texto trata de medidas que haviam sido anunciadas na semana passada, quando a equipe econômica anunciou os principais pontos do pacote de revisão de despesas. Serão tratados via mudanças na Constituição pontos como as novas regras de acesso ao BPC e ao abono salarial.
Sobre o BPC, o texto afirma que "para fins de comprovação de renda para elegibilidade ao benefício [...], concedido administrativa ou judicialmente, ficam vedadas deduções não previstas em lei". O comando busca lidar com um cenário em que muitos benefícios são concedidos judicialmente, desconsiderando fontes de renda dos beneficiários.
Em relação ao abono salarial, o texto prevê que terá direito ao benefício quem ganha até R$ 2.640. Esse valor será corrigido pelo INPC até chegara a 1,5 salário mínimo. Hoje, trabalhadores que recebem até 2 salários mínimos podem receber o abono.
Sobre à gestão orçamentária, a proposta também prorroga até 2032 as regras para a Desvinculação das Receitas da União (DRU). A medida, que diminui a rigidez do Orçamento, foi prorrogada pela última vez quando a PEC da Transição foi aprovada, em 2022, e deixa de vigorar no fim deste ano - caso não seja renovada.
Em outra frente, a PEC também revoga parágrafo do artigo 165 da Constituição Federal que diz que a administração pública tem o dever de executar as programações orçamentárias. Esse parágrafo vinha sendo usado como argumento pela equipe econômica para contingenciar somente quando houvesse risco de descumprimento do limite inferior da meta.
A PEC é um dos quatro textos que tratam do pacote de revisão de gastos. Na sexta-feira (29), o líder do governo na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE) protocolou dois projetos de lei com parte das medidas. Ainda falta ser enviados o projeto de lei que trata de novas regras para aposentadoria dos militares.
O governo também deve encaminhar um projeto de lei prevendo a ampliação da isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil, com medidas de compensação - anunciada junto com o pacote de revisão de gastos. Essa discussão, no entanto, deve ficar para o ano que vem.
O governo fez um movimento para demonstrar apoio aos projetos de lei apresentados por Guimarães, com um requerimento para que os partidos da base aliada apareçam como coautores dos textos. Mas União Brasil, Solidariedade e PSD não endossaram a iniciativa. As três siglas somam 115 deputados federais.
O requerimento de coautoria dos dois projetos foi protocolado por Guimarães e assinado pelos líderes do Republicanos, PP, MDB, PT, PDT, PCdoB e Podemos, que, juntos, somam 243 deputados. Outras siglas, como PV e PSB, também vão apoiar os projetos, mas os líderes disseram ao Valor que não tiveram tempo de aderir.
Já os líderes do União Brasil, Elmar Nascimento (BA), e do PSD, Antonio Brito (BA), não assinaram o requerimento em apoio aos projetos e nem o requerimento de urgência solicitado pelo governo. O Valor os procurou, mas não teve resposta até a publicação desta reportagem.
Há duas versões para essa recusa. Parte dos aliados deles diz que as bancadas estão ressentidas pelo PT ter preterido as candidaturas deles à presidência da Câmara para apoiar Hugo Motta - que foi um dos primeiros a subscrever o requerimento de Guimarães. Outros, que não houve tempo para debater com as bancadas e, por isso, não havia como aderir.
Líder do Solidariedade, o deputado Áureo Ribeiro (RJ) afirmou que não assinou porque encomendou um estudo técnico sobre as propostas para a assessoria e que provavelmente vai propor emendas. “Não assinei porque não tenho concordância com todo o texto. Não posso estar num texto que não concordo com ele todo”, comentou.
O requerimento foi protocolado por Guimarães nesta segunda-feira com a rubrica de líderes de partidos que somam 243 votos na Câmara - além disso, parte dos vice-líderes do governo na Casa também subscreveram, incluindo deputados do União e PV.
Líder do MDB, o deputado Isnaldo Bulhões (AL) disse ao Valor que recebeu a sugestão de Guimarães para participar como coautor e concordou. Já o deputado José Nelto (União-GO), um dos vice-líderes do governo, comentou que assinou como coautor, mas que tem críticas e considerou o pacote “muito tímido”.
PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO
Altera os art. 37, art. 163, art. 203, art. 212-A e art.
239 da Constituição e o art. 76 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT e
acresce os art. 138 e art. 139 ao ADCT.
Art. 1º A Constituição passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 37.......
§ 11. Somente poderão ser excetuadas dos limites remuneratórios de que trata o inciso XI do caput as parcelas de caráter indenizatório expressamente previstas em lei complementar de caráter nacional aplicada a todos os Poderes e órgãos constitucionalmente autônomos.” (NR)
“Art. 163..............
IX - condições e limites para concessão, ampliação ou prorrogação de incentivo ou benefício de natureza tributária.” (NR)
“Art. 203.............
Parágrafo único. Para fins de comprovação de renda para elegibilidade ao benefício de que trata o inciso V do caput, concedido administrativa ou judicialmente, ficam vedadas deduções não previstas em lei.” (NR)
“Art. 212-A..............
XIV - da complementação de que trata o inciso V, até 20% (vinte por cento) dos valores poderão ser repassados pela União para ações de fomento à criação e à manutenção de matrículas em tempo integral na educação básica pública, levando em conta indicadores de qualidade e eficiência do investimento público em educação, mantida a classificação orçamentária do repasse como Fundeb, não se aplicando, para fins deste inciso, os critérios de que trata o inciso V, alíneas “a”, “b” e “c”.” (NR)
“Art. 239.............
§ 3º Aos empregados que percebam de empregadores que contribuem para o Programa de Integração Social ou para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público até R$ 2.640,00 (dois mil seiscentos e quarenta reais) de remuneração mensal, corrigida, a partir de 2026, pela variação anual do Índice Nacional de Preços ao Consumidor
– INPC, calculado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
– IBGE, ou de outro índice que vier a substituí-lo, acumulada no segundo exercício anterior ao de pagamento do benefício, é assegurado o pagamento de um salário mínimo anual, computado nesse valor o rendimento das contas individuais, no caso daqueles que já participavam dos referidos Programas, até a data de promulgação desta Constituição.
§ 3º-A O limite para elegibilidade do benefício de que trata o § 3º não será inferior ao valor equivalente ao salário mínimo do período trabalhado, multiplicado pelo índice de 1,5 (um inteiro e cinco décimos).” (NR)
Art. 2º O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 76. São desvinculados de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de
2032, 30% (trinta por cento) da arrecadação da União relativa às contribuições sociais, sem prejuízo do pagamento das despesas do Regime Geral de Previdência Social, às contribuições de intervenção no domínio econômico, às taxas e às receitas patrimoniais, já instituídas ou que vierem a ser criadas até a referida data.............
§ 5º A desvinculação de que trata o caput não opera efeitos sobre recursos que, por expressa disposição em norma constitucional ou legal, devam ser transferidos a Estados, ao Distrito Federal e a Municípios.
§ 6º A desvinculação de que trata o caput não se aplica às receitas destinadas ao fundo criado pelo art. 47 da Lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010, e aos recursos a que se refere o art. 2º da Lei nº 12.858, de 9 de setembro de 2013.” (NR)
“Art. 138. Até 2032, qualquer criação, alteração ou prorrogação de vinculação legal ou constitucional de receitas a despesas, inclusive na hipótese de aplicação mínima de montante de recursos, não poderá resultar em crescimento anual da respectiva despesa primária superior à variação do limite de despesas primárias, na forma prevista na lei complementar de que trata o art. 6º da Emenda Constitucional nº 126, de 21 de dezembro de 2022.” (NR)
“Art. 139. O Poder Executivo poderá reduzir ou limitar, na elaboração e na execução das leis orçamentárias, as despesas com a concessão de subsídios, subvenções e benefícios de natureza financeira, inclusive os relativos a indenizações e restituições por perdas econômicas, observado o ato jurídico perfeito.” (NR)
Art. 3º Ficam revogados os § 10 e § 11 do art. 165 da Constituição.
Art. 4º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.