Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) formaram maioria para liberar as emendas parlamentares ao Orçamento, conforme a liminar concedida pelo ministro Flávio Dino, relator das ações sobre o tema na Corte. A liberação ocorreu após quase quatro meses de hiato entre o acordo firmado entre os três Poderes em que se decidiu que as emendas seriam mantidas, mas com novos critérios de transparência e rastreabilidade do dinheiro público. Desde agosto os pagamentos estão suspensos e havia uma pressão do Congresso e do Executivo para que os empenhos fossem retomados.
Embora as emendas estejam liberadas, Dino traz restrições e condicionantes ao retorno do pagamento. Especialistas, entidades de transparência e parlamentares consultados pelo Valor indicam que o ministro estabeleceu novos critérios além dos presentes na lei complementar.
Por exemplo, no caso das emendas de bancada não pode haver rateio entre os parlamentares, sendo necessária a identificação nominal do congressista. A lei aprovada diz que deve ser publicada a ata da sessão em que as emendas de bancada foram aprovadas, sem entrar em detalhes. Dino especifica que só o documento não adianta, é preciso ter a indicação de quem indicou.
Outro ponto em que a decisão de Dino foi além da lei é que ela vincula o crescimento dos valores disponíveis para as emendas a parâmetro que tiver menor índice de acréscimo: ou arcabouço fiscal ou variação da Receita Corrente Líquida ou a evolução das despesas discricionárias do Executivo. O Congresso havia aprovado que o aumento seria equivalente ao do arcabouço fiscal.
Em outra frente, ainda não prevista pela legislação, o ministro determinou que as emendas destinadas à saúde precisam de aprovação técnica de comissões do Sistema Único de Saúde (SUS). Já as emendas Pix serão liberadas apenas com a apresentação de plano de trabalho prévio, ou seja, com a descrição de como o dinheiro será gasto.
Na decisão, Dino criticou a falta de transparência do Congresso quanto ao percurso do dinheiro liberado pelas emendas até o destino final. Em sua avaliação, houve descaso com o dinheiro público. “Jamais houve tamanho desarranjo institucional com tanto dinheiro público, em tão poucos anos.” De acordo com o ministro, entre 2019 e 2024, o montante pago de emendas foi de R$ 186,3 bilhões.
Dino avalia ser “pouco crível” que a execução de bilhões de reais do dinheiro público tenha se dado sem ofícios, e-mails, planilhas, ou que tais documentos existiram e foram destruídos no âmbito dos Poderes Legislativo ou Executivo”.
De acordo com Dino, em todos os relatórios apresentados pela Controladoria-Geral da União (CGU) fica clara a falta de transparência e de rastreabilidade quanto à execução das emendas parlamentares de todas as modalidades. Para ele, da forma como está, a distribuição das emendas funciona a partir de uma “engrenagem flagrantemente inconstitucional, montada especialmente a partir do ano de 2019, quando os bilhões de reais alocados pelo Congresso Nacional”.
Em agosto ficou firmado que o Executivo e o Legislativo apresentariam as novas diretrizes ao Judiciário em dez dias, no entanto, a lei complementar regulando o assunto só foi aprovada no Congresso no dia 19 de novembro e sancionada no dia 25 do mesmo mês pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Após a aprovação da lei, houve pressão no Congresso para que as emendas retornassem. Congressistas chegaram a dizer que esperavam uma decisão do ministro antes de votarem as leis orçamentárias do próximo ano. O pacote fiscal do governo também estava condicionado a esse desbloqueio.
Entre os congressistas, as opiniões se dividiram: parte acredita que a decisão “acalmou” o Parlamento, outra parte criticou as novas restrições e burocracias trazidas pelo ministro - inclusive, se os critérios da decisão forem cumpridos, as emendas não serão liberadas.
Relator do projeto de lei que alterou as regras para as emendas parlamentares, o senador Angelo Coronel (PSD-BA) afirmou que a decisão do STF de liberar o pagamento dos recursos dos congressistas foi “um passo importante” e que “acalma o Parlamento”. Líder do União Brasil no Senado, Efraim Filho (PB) criticou a exigência de um plano de trabalho para que as emendas Pix sejam transferidas. Em sua avaliação, o novo critério aumenta a burocracia, justamente o que a criação das transferências especiais buscam reduzir.
Já o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), afirmou que a questão está resolvida com a liberação das verbas. Para ele, a retomada do pagamento dos recursos dos congressistas será decisiva no avanço das propostas do Executivo no Legislativo, como o pacote de corte de gastos. “O importante é que isso já foi resolvido. Está fora da sala esse problema para ser resolvido. Tem a liberação das emendas e isso ajuda a darmos conta desse cronograma.”
A Transparência Internacional no Brasil entendeu que a decisão do STF não resolve o problema das emendas. “Em um cenário de pressão generalizada por um ajuste fiscal, surpreende que esta pressão não alcance o Congresso Nacional, especialmente considerando a ineficiência destes gastos em termos de serviços públicos entregues à população e os altos riscos de corrupção e desvios a que estão sujeitos”, disse Guilherme France, gerente de pesquisa e advocacy da Transparência Internacional.
Marina Atoji, diretora de programas da Transparência Brasil, afirmou que o ministro foi “flexível” em reconhecer a insuficiência da lei aprovada pelo Congresso com as novas diretrizes para as emendas, mas em vez de suspender as emendas, fixou uma interpretação sobre a lei para suprir os problemas da lei.
Até o fechamento desta edição, sete ministros haviam votado a favor da liminar, sem restrições, seguindo o relator: Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Cristiano Zanin e Cármen Lúcia.